segunda-feira, novembro 06, 2006

Ressaca

Ainda não sei bem onde estou. Parece frescura ou futilidade, mas, passada a euforia do ir e do voltar, vem a sensação de acordar num quarto que não é mais seu, ou ainda não é seu de volta. Vem a resistência à vida real, ao feijão-com-arroz. Sim, provar de novo do tempero da mamãe é maravilhoso. Mas o olhar para o céu, para o horizonte, não é mais o mesmo. Depois de se saber que se pode voar, é difícil de novo pôr os pés no chão. Até para alguém que sempre teve muito mais raízes do que asas.

E o que fazer quando o olhar procura algo impossível que ficou no horizonte? Quando o vê indo embora, belo e efêmero, com a velocidade do instante que passa? Quando se vê que não foi feito para ficar?
O que fazer quando se deixa um pedaço do outro lado e se é obrigado a largá-lo? Quando não se cabe mais, ainda que temporariamente, na redoma de vidro de todos os dias?

Na falta do que dizer, vai outro poema roubado, oportuno para o momento. Fico aqui tentando arrumar a bagunça no coração.
Em breve, voltaremos à nossa programação normal. Por enquanto, apenas o vento batendo no rosto. É tudo que quero por enquanto.

Metade

Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo que acredito não me tape os ouvidos e a boca.
Porque metade de mim é o que eu grito, mas a outra metade é silêncio.

Que a música que eu ouço ao longe seja linda, ainda que triste.
Que a mulher que eu amo seja sempre amada, mesmo que distante.
Porque metade de mim é partida e a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimento.
Porque metade de mim é o que eu ouço, mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço.
Que essa tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que eu penso e a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste, que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto o doce sorriso que eu me lembro de ter dado na infância.
Porque metade de mim é a lembrança do que fui, a outra metade eu não sei.

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria para me fazer aquietar o espírito.
E que o teu silêncio me fale cada vez mais.
Porque metade de mim é abrigo, mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba.
E que ninguém a tente complicar porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer.
Porque metade de mim é a platéia e a outra metade, a canção.

E que minha loucura seja perdoada.
Porque metade de mim é amor e a outra metade... também.

(Oswaldo Montenegro)
SMM

2 augúrios:

Blogger Mônica said...

Jú! Que post lindo! Tocante. Adorei. Beijo gde, amiga minha. Mô

6:49 AM  
Anonymous Anônimo said...

Quem sabe pensar que um pedaço seu está florescendo em outros campos e que os pássaros levam sementes para lugares muito, muito distantes...
Você não deixou um pedaço lá..simplesmente acendeu uma chama que estava aguardando sua chegada...
Quantas chamas mais estão pelo mundo te esperando??
Parabéns mana, por todo esse teu aprendizado...
beijão
Taís

8:36 AM  

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